User Experience: desenvolvendo para usuários e não para máquinas
Escrever sobre User Experience (UX) hoje em dia necessita um certo cuidado. Recentemente, o termo, amplamente divulgado por Donald Norman, ganhou uma série de valores, significados e práticas que pouco têm a ver com sua idéia inicial. Assim como “Programadores Jedi” ou “Code Ninjas”, a posição de “UX Designer” passou a exalar um glamour, a representar uma classe de profissional que faz milagres. Mas a verdade é que poucos sabem (ou se lembram) da verdadeira função da profissão.
Vou me adiantar e ser bem direto: projetar User Experience é focar o projeto no usuário, e saber conciliar sua satisfação com os objetivos do produto.
Essa descrição, embora pareça óbvia, é frequentemente ignorada. Muitos acabam misturando conceitos de User Experience com regras de negócio e requisitos do projeto. Outros pensam que UX Design é simplesmente desenhar flows, wireframes e realizar testes de usabilidade. Em muitos times, UX é considerado apenas como a “cereja do bolo”: um toque especial para deixar o projeto mais bonito, ou sanar falha de usabilidades gravíssimas.
Para acabar com todos esses conceitos errôneos, o primeiro passo é definir qual o papel exato de cada área no processo de elaboração de uma interface; em seguida, compreender a importância da experiência do usuário nos projetos; e por último, aprender a desenvolver projetos centrados no usuário. Focarei no modelo de projetos para a web, sob o qual eu trabalho.
Entendendo quem projeta a interface
Não existe definição certa e regulamentada para times quanto às interfaces de usuário (User Interfaces). Em muitos times, os desenvolvedores do sistema (desenvolvedores back-end) são também responsáveis por mexer com HTML e CSS; grande parte deles não possui profissionais dedicados à Arquitetura da Informação ou UX; e em quase todas as empresas, membros multi-disciplinares acabam envolvidos em diferentes áreas.
Independente da divisão de tarefas, gosto de dividir o design de UI em quatro grandes áreas: Arquitetura da Informação (AI), Design Gráfico, Front-end e — foco deste artigo — User Experience (UX).
Arquitetura da Informação
Os arquitetos de informação são responsáveis por organizar o conteúdo do produto e projetar suas funcionalidades de acordo com o perfil dos usuários, requisitos do projeto e valores de negócio. Eles estudam os comportamentos, as características e necessidades dos usuários; e determinam os caminhos que eles devem seguir, as ações que podem ser executadas, como a informação é classificada e categorizada, e como os dados são coletados e disponibilizados. O resultado disso são flows de navegação, wireframes, protótipos, documentação, palavras-chave, categorias e personas (perfis de potenciais usuários baseados nos valores de negócio). Esta área envolve disciplinas como comunicação, marketing, biblioteconomia, quality assurance e design.

Comportamentos + Organização + Funcionalidade + Requisitos + Valores de negócio
=
Flows + Wireframes + Protótipos + Documentação + Personas
Design Gráfico
Os designers gráficos são responsáveis por definir e propagar os valores e a missão do produto através de uma identidade visual consistente e uma direção de arte adequada. Eles também garantem a legibilidade da informação e complementam a experiência do usuário por meio de aspectos visuais (cores, texturas, proporções) agradáveis e coerentes. O resultado disso são layouts consistentes, compatíveis com o projeto, que auxiliam na leitura e compreensão das mensagens, e melhoram a experiência do usuário.

Direção de arte + Identidade visual + Legibilidade + Ornamentos
=
Layouts + Padrões visuais + Tipografia + Estética
Front-end
Os desenvolvedores de front-end são responsáveis por transformar os layouts e a experiência arquitetada em um código interpretável pelos navegadores. Eles reúnem todos os elementos de arquitetura da informação e transformam-nos em um documento com estrutra semântica; decompõem os layouts em atributos visuais e imagens; codificam os comportamentos da interface e otimizam a interpretação destes elementos pelo navegador. O resultado disso são documentos HTML semânticos, folhas de estilo (CSS) que representam o layout de maneira correta, código JavaScript que melhora a experiência do usuário, e o carregamento otimizado de páginas consumindo menos a conexão do usuário.

Arquitetura da informação + Renderização + Interações + Otimizações
=
HTML + CSS + JavaScript + Páginas rápidas
User Experience
Os designers de User Experience são responsáveis por entender os requistos do usuário, suas reais necessidades, expectativas e reações. Eles concentram esforços para proporcionar uma boa experiência, segurança nas ações, sentimentos de realização, e promover uma maior proximidade entre o produto e o usuário. O resultado disso são maior fidelidade, interações e navegação melhores, melhor comunicação, escolha correta de features e feedback a todas as áreas do projeto.
A área de UX possui intersecções com todas as outras áreas, incluindo Arquitetura da Informação, Design Gráfico, Front-end, Back-end e Conteúdo. Desta forma, os designers de UX podem, através da visão de um usuário, proporcionar um feedback melhor para o resto do time quanto a performance, legibilidade, usabilidade, estética, organização e necessidades. O diagrama abaixo, produzido por Dan Saffer, mostra a interdisciplinaridade das áreas e a abrangência da disciplina de UX.

Requisitos do usuário + Usabilidade + Psicologia + Emoção + Estratégia de conteúdo + Design + Arquitetura da Informação + Front-end + Funcionalidades
=
Interações + Flows otimizados + Melhor comunicação + Feedback melhor
Os usuários necessitam de amor
No An Event Apart 2010, Aarron Walter dedicou sua palestra para falar sobre um único tema: “Aprendendo a amar humanos - Design de interfaces emocionais”. Nela, a mensagem é clara e precisa: mais que apenas sobreviver, os humanos necessitam de amor. Um projeto pode simplesmente atender às necessidades mais básicas de um usuário e cumprir sua função; ou pode ir muito além e tratá-lo de maneira privilegiada através de uma experiência cuidadosamente projetada, conquistando sua confiança, fidelidade e preferência.

Quando eu digo “experiência cuidadosamente projetada”, não significa que alguns testes de usabilidade ou uma parede repleta de wireframes impressos resolva o problema. Significa incorporar sua experiência do usuário na missão do produto. Significa considerar a conquista que ele obtém em cada funcionalidade desenvolvida. Significa comunicar-se como humanos, e não como máquinas. Significa entender suas motivações, necessidades e reações. Significa incorporar Arte e psicologia no processo de concepção e desenvolvimento. Steve Jobs, no final do anúncio do iPad 2, deixou claro como isso é importante:
Está no DNA da Apple que tecnologia não é o suficiente. É a tecnologia casada com as Artes Liberais e as Ciências Humanas. (…) Nossos concorrentes estão olhando para isso como se fosse o próximo mercado de PCs. Essa não é a maneira correta. Estes são dispositivos pos-PC que precisam ser mais simples de usar do que um PC, mais intuitivos. (Steve Jobs)
Não importa se o sistema possui testes cobrindo 100% do código, ou se a tecnologia utilizada nos servidores é de ponta, se no fim o usuário é frustrado por péssima usabilidade, mensagens incompreensíveis, ou se ele simplesmente não se sente confortável em usar o produto. E esse padrão é uma prática recorrente em projetos — muitos de altíssimo custo — nos quais há muito planejamento em termos de negócio e implementação, mas não há atenção ao usuário. Um sistema funcional atende apenas a base das necessidades de um ser humano:

Segundo Maslow, além de necessidades básicas e da segurança, o ser humano busca afeto, auto-estima e realização pessoal. Estes três últimos níveis são exatamente o foco do campo de UX: complementar a base da pirâmide — o sistema, as informações, as funcionalidades — com interações bem projetadas, mensagens amigáveis, com a humanização de um ambiente gerido por máquinas e códigos.
Desenvolver um produto funcional sem se preocupar com a experiência do usuário é como ir a um restaurante com uma boa comida e péssimo atendimento: quando você é maltratado, simplesmente não sente mais vontade de voltar.
Detalhes que fazem a diferença
Ryan Carson escreveu um artigo interessante no qual afirma que Walt Disney foi o primeiro profissional de UX. Pelos relatos que ouço de quem já visitou os parques da Disney (eu não — ainda ;D) ou trabalhou lá, tal afirmação não poderia ser mais correta. A Disney World foi projetada e é administrada para ser um mundo perfeito. O tal “lugar mais feliz do mundo” que eles tanto divulgam não é clichê, é simplesmente a realidade. Cada mínimo detalhe é pensado e planejado com apenas um objetivo macro em mente: os visitantes devem ter a melhor experiência de suas vidas.
E eles não conseguem isso apenas fazendo os brinquedos funcionarem, as filas andarem ou atendendo às normas internacionais de segurança. Estes pontos compõem apenas parte da base da pirâmide, e eles almejam sempre o topo. Os parques e banheiros estão sempre limpos. Os funcionários são sempre pacientes, solícitos e bem-humorados. As filas são micro-gerenciadas para serem curtas e não desgastarem. Há dois desfiles por dia, com fogos de artifício. Os funcionários do hotel dizem “Bem-vindo ao lar”. Todo dia. Para todos os visitantes.

Se todos os sistemas se focassem em fazer da experiência do usuário algo mágico, haveria muito menos frustração e muito mais produtividade. E-mails de boas vindas, mensagens amigáveis, efeitos sutis, ornamentos gráficos, animações suaves, feedback instantâneo para as ações, são pequenos detalhes que não afetam a funcionalidade básica do sistema, mas podem ser a diferença entre “minhas férias foram legais” e “foram as melhores férias da minha vida”.
Num próximo post, listarei técnicas e artefatos que auxiliam a incorporar a experiência do usuário no processo de desenvolvimento do projeto. Stay tuned!
Fontes das imagens: Dan Saffer; Blog Revista Dieta Já, Japanese Chef in Glasglow, Falkirk, Alloa, Stirling and Edinburgh of Scotland; Disney World Games